🧠 Carta ao intelectual sem cátedra
- Jorge Guerra Pires
- 21 de mai.
- 2 min de leitura
(Ou: Como é possível pensar fora da redoma universitária sem ser tragado pela irrelevância)

Há quem diga que sair da academia é desistir. Eu discordo.
Desistir é permanecer onde não se pode pensar livremente. Desistir é deixar o próprio pensamento ser moldado por editais, por agendas institucionais, por currículos que não medem profundidade, mas produtividade.
Saí da academia. Mas não abandonei a reflexão, nem a pesquisa, nem a escrita. Abandonei a promessa de que, se eu obedecesse o bastante, um dia teria liberdade para criar.
A verdade é que a liberdade intelectual raramente é concedida — ela precisa ser tomada.
O sistema não te quer livre, quer te encaixado
A academia se vende como o templo do pensamento crítico. Mas não demora para o recém-doutor descobrir que a crítica tem limites: o que não rende pontos, verba ou indexação, é visto como “desvio”. O que desafia consensos ou confronta dogmas — inclusive religiosos — é chamado de “imprudente”, “radical” ou “não estratégico”.
A verdade é que existe sim uma “máfia acadêmica”. Não no sentido conspiratório, mas estrutural: uma lógica de lealdades, silenciamentos e sacrifícios. O preço da estabilidade é, muitas vezes, o abandono de si mesmo.
Russell sabia
Bertrand Russell, mesmo laureado, foi perseguido por dizer o óbvio: que a religião é, historicamente, um obstáculo ao pensamento livre. Que o medo, e não a verdade, é a raiz da fé. Foi impedido de dar aula. Chamado de imoral. Cancelado por dizer o que muita gente apenas pensava.
Mas ele permaneceu em pé. Preferiu a integridade à posição.
A pergunta que fica: você quer ser relevante ou obediente?
O intelectual sem cátedra não tem salário fixo, nem talvez prestígio acadêmico. Mas tem algo que muitos dentro do sistema perderam: a capacidade de dizer “não”.
“Não” ao culto à produtividade vazia.“Não” à neutralidade covarde.“Não” à ideia de que pensar exige carteirinha institucional.
Não me peça para voltar. Me pergunte onde estou indo.
Hoje, escrevo livros que não passam por banca. Pesquiso temas que não rendem verba, mas fazem sentido. Dialogo com quem quer pensar — e não apenas acumular Lattes.
E, acima de tudo, reivindico o direito de existir como pensador independente, sem pedir permissão a nenhuma torre de marfim.
Se isso ressoa com você, então talvez não seja apenas uma carta.
Talvez seja um chamado.
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