O paradoxo dos preprints: visibilidade sem emancipação?
- Jorge Guerra Pires
- 19 de jul.
- 3 min de leitura

A ciência enfrenta problemas com publicação desde antes de se organizar como ciência formal. No início, apenas quem estava associado a grandes universidades podia publicar — a autoridade vinha da filiação. Com o tempo, surgiram os periódicos científicos: agora qualquer pessoa, ao menos em tese, poderia publicar, desde que passasse pela revisão dos pares. Mas não demorou até que esses periódicos se tornassem aquilo que haviam derrubado: novos guardiões do monopólio do conhecimento.
Então vieram os preprints. Rápidos, abertos e gratuitos, pareciam devolver à ciência a agilidade e a horizontalidade. Mas junto com eles veio também uma nova guerra de credibilidade. Sem revisão formal, preprints são vistos com desconfiança por muitos — mesmo quando trazem dados sólidos e metodologias rigorosas.
O ciclo se repete: libertar a ciência, apenas para vê-la reencarcerada em outras formas de poder.
Recentemente, ao atualizar uma versão de um artigo no MedRxiv — a versão médica do ArXiv — comecei a receber uma enxurrada de convites para publicar em periódicos. A princípio, poderia parecer um sinal de reconhecimento. Mas bastou uma leitura mais atenta para perceber o padrão: todos pagos. Nenhum convite vinha de periódicos realmente comprometidos com a ciência — apenas com o faturamento.
Esse episódio revela um paradoxo cada vez mais evidente no ecossistema da ciência aberta: os preprints oferecem visibilidade, mas essa visibilidade está sendo explorada por um mercado editorial que transforma a ciência em produto, e os pesquisadores em clientes em potencial.
Preprint: liberdade ou vitrine?
Os preprints nasceram como uma forma de democratizar o acesso ao conhecimento científico. Permitem que resultados sejam divulgados rapidamente, sem depender do ritmo lento e muitas vezes enviesado da revisão por pares tradicional. Mas ao se tornarem populares, também se tornaram rastreáveis — e com isso, alvos comerciais.
A publicação do preprint, que deveria ser um gesto de abertura, hoje atrai convites automatizados, promessas de publicação rápida e revisões “express” — todas com taxas salgadas, claro.
A segunda “revisão por pares”: a financeira
Estou atualmente submetendo um artigo à JMIR Publications, uma editora séria, indexada e respeitada. Mas mesmo ali, onde há revisão por pares de verdade, o custo de publicação gira em torno de US$ 2.500 a US$ 3.000. Solicitei a isenção total do valor — o que é possível —, mas, para isso, fui submetido a uma nova etapa de avaliação: agora, não da qualidade científica, mas da minha capacidade de comprovar necessidade financeira.
Isso revela um segundo filtro: o da aceitabilidade econômica. Uma nova forma de “peer review”, onde não basta que seu trabalho seja bom — ele também precisa ser “merecedor” de gratuidade.
O falso dilema da ciência aberta
Chama-se isso de open access, mas o nome é enganoso. O acesso é aberto para quem lê — não para quem escreve. E ainda mais fechado para quem não tem respaldo institucional, para pesquisadores independentes, de países periféricos, ou fora das redes de financiamento tradicionais.
É como se dissessem:
“Você pode publicar conosco, desde que consiga pagar. Caso contrário, tente nos convencer de que é digno de uma exceção.”
Esse modelo perpetua as mesmas desigualdades estruturais da ciência tradicional, agora com uma nova roupagem — mais simpática, mais digital, mas ainda excludente.
É hora de repensar o sistema
Se queremos realmente uma ciência aberta, precisamos ir além do modelo pago-para-publicar. Já existem caminhos possíveis:
Periódicos em acesso aberto sem APCs (os chamados diamond open access), como os da SciELO ou da RedALyC.
Jornais overlay, que fazem revisão por pares de preprints sem cobrar nada.
Consórcios públicos que sustentem financeiramente periódicos sérios, sem transferir o custo para os autores.
Enquanto isso não acontecer, a pergunta continua no ar:
De que serve a visibilidade dos preprints, se ela nos leva direto para os braços de um mercado que lucra com nossa urgência em publicar?


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