Uma publicação por pares valida automaticamente as conclusões? O caso Brown & Hullender
- Jorge Guerra Pires
- 14 de out
- 6 min de leitura
A publicação científica é muitas vezes vista como um selo de credibilidade: se um artigo passa por revisão por pares, isso seria equivalente a afirmar que suas conclusões são corretas. No entanto, a análise do caso do artigo “Neo-Darwinism Must Mutate to Survive”, de Olen R. Brown e David A. Hullender, publicado no Progress in Biophysics and Molecular Biology, mostra que essa percepção é simplista.
Em entrevista, os autores chegam a usar Denis Nobel como uma espécie de “fiador”. Fato curioso: vários cientistas cristãos gostam de usar Denis Nobel. Mesmo John Lennox usou ele em alguns debates. É sempre usado de forma simplificada e muitas vezes errônea, estratégia.
Eu já vi o trabalho de Nobel, li muito o trabalho dele. Eu jamais vi algo que indicasse uma posição teísta. Nobel é um cientista legítimo. Talvez, as pessoas o usem porque ele e Dawkins tem algumas rinchas: Dawkins é o mais odiado entre cientistas cristãos.
O artigo foi publicado na Progress in Biophysics and Molecular Biology.
Embora a revista aborde tópicos amplos e complexos, ela mantém um compromisso com a fundamentação científica e a análise crítica. Por exemplo, em 2018, publicou um artigo sobre a origem da explosão cambriana, defendendo a hipótese da panspermia. Esse artigo gerou controvérsia, com muitos cientistas considerando-o especulativo. O editor-chefe, Denis Noble, reconheceu que a origem da vida é um problema não resolvido e que todas as conjecturas sobre o tema são especulativas Wikipedia.
Resumindo: a revista de certa forma serve como reduto desses artigos, sendo o artigo de Olen R. Brown e David A. Hullender longe de ser uma exceção.
Portanto, embora a revista explore ideias inovadoras e teorias provocativas, ela o faz dentro de um contexto científico rigoroso, buscando promover discussões fundamentadas e avançar no entendimento das ciências biológicas.
Conteúdo e Argumentos do Artigo
Brown e Hullender argumentam que a evolução por seleção natural e mutações aleatórias, pilares do neodarwinismo, são insuficientes para explicar mudanças evolutivas em larga escala. Utilizando cálculos probabilísticos, eles sugerem que a probabilidade de eventos evolutivos complexos, como a origem de ciclos metabólicos sofisticados, é extremamente baixa — da ordem de 10⁻⁵⁰ — quando baseados apenas em seleção natural e deriva genética aleatória. Consequentemente, concluem que a macroevolução via “sobrevivência do mais apto” não é viável sem a consideração de outros mecanismos pubmed.ncbi.nlm.nih.gov.
Repercussões e Controvérsias
A publicação deste artigo gerou discussões significativas na comunidade científica. Alguns críticos apontam que os argumentos apresentados se alinham com posições do design inteligente, uma perspectiva frequentemente considerada pseudocientífica. Por exemplo, o artigo cita Stephen Meyer, um defensor do design inteligente, o que levanta questionamentos sobre a objetividade científica da crítica ao neodarwinismo scienceandculture.com.
Além disso, a revista Progress in Biophysics and Molecular Biology já havia sido alvo de controvérsias anteriormente, como no caso de um artigo de 2018 que defendia a hipótese da panspermia para explicar a origem da explosão cambriana. Esse artigo também foi criticado por sua especulação e falta de fundamentação empírica Wikipedia.
Embora o artigo de Brown e Hullender apresente argumentos matemáticos e críticos ao neodarwinismo, sua publicação em uma revista com histórico de controvérsias e a associação com ideias do design inteligente levantam questões sobre a imparcialidade e a base científica das críticas à teoria da evolução. Portanto, é prudente abordar tais publicações com uma análise crítica e considerar a diversidade de perspectivas e evidências disponíveis na comunidade científica.
O que podemos concluir: o artigo foi publicamente em um jornal que tem esse formado, aceitar controversas. Olhando de forma mais ampla, a Elsevier já se achou em situação complexa, como o famoso artigo copiado do chatGPT, que nem era o pior dos problemas: o autor havia praticado plágio. Tem outro casos mais bizarros: em um caso os autores usam IA para gerar a imagem de um rato, mas ficou com um “pagão” e virou piada na internet; nesse caso foi na Frontiers.
O contexto da publicação
O artigo foi aceito em uma revista respeitada, com Denis Noble (Universidade de Oxford) entre os editores. A escolha do periódico não foi aleatória: os autores buscavam um espaço que aceitasse críticas ao Neo-Darwinismo, que poderiam ter sido rejeitadas em revistas como Nature ou Science. Além disso, eles citaram trabalhos dos editores da própria revista, estratégia que pode aumentar a chance de aceitação em um ambiente altamente competitivo.
O papel do editor
É importante notar que a aceitação por um editor, mesmo renomado, não valida automaticamente o conteúdo do artigo. Denis Noble, embora crítico de aspectos do Neo-Darwinismo simplista, não endossa as conclusões radicais de Brown e Hullender. O editor atua mais como um facilitador do debate do que como um árbitro da verdade científica. A revista, inclusive, possui histórico de publicar artigos provocativos ou especulativos, o que reforça seu papel de gerar discussão científica.
A crítica dos autores
Brown e Hullender vão além da crítica moderada. Eles utilizam cálculos probabilísticos extremos para argumentar que a macroevolução via seleção natural e mutações aleatórias seria altamente improvável, chegando a probabilidades da ordem de 10^-50 ou 10^-100 para certos eventos evolutivos complexos. Comparando com o exemplo famoso do furacão que gera um avião 747, eles sugerem que confiar no mecanismo neodarwinista para explicar a complexidade biológica é, no mínimo, questionável.
Diferença entre crítica e negação
Noble: questiona limitações do modelo neodarwinista e promove debate, mas não nega a evolução.
Brown & Hullender: questionam o modelo e sugerem que a evolução materialista e não dirigida não é capaz de gerar complexidade, aproximando-se de posições mais radicais.
Uma experiência pessoal
Durante meu doutorado, eu tive um artigo rejeitado. Fiquei confuso, e depois fui investigar. O artigo que deveria ter citado era do editor do jornal. Isso não é algo isolado. É algo documentado. Eu já tive editores que queriam aceitar meu artigo, mas diziam que não poderiam ignorar os pareceristas. Isso mostra como o papel do editor pode variar muito.
O papel e a crítica aos “superpoderes” dos editores
Imad A. Moosa em “Publish or Perish: Perceived Benefits versus Unintended Consequences”.
Os editores de periódicos científicos ocupam uma posição de enorme influência dentro do ambiente acadêmico, atuando como guardiões (gatekeepers) que podem impactar decisivamente carreiras e direcionar linhas de pesquisa. A literatura aponta várias dimensões dessa influência:
1. Guardiões do destino acadêmico
Editores decidem sobre a aceitação ou rejeição de artigos, influenciando promoções e oportunidades de carreira.
O poder editorial é centralizado e, em periódicos de alto impacto, pode ser excessivo e arbitrário.
Eles podem moldar a pesquisa mais do que agências de financiamento, atuando como árbitros da relevância científica.
2. Elitismo e subjetividade
Editores formam uma elite dentro da academia, com poder de influência que vai além do critério científico, incluindo preconceito, preferências pessoais e considerações estratégicas.
Casos documentados mostram editores tentando intervir em artigos que criticam sistemas de classificação ou favorecendo colegas, reforçando elitismo e subjetividade.
3. Falta de prestação de contas e práticas questionáveis
A ausência de supervisão direta permite que alguns editores pratiquem nepotismo, rent-seeking e exigências estratégicas de citação.
Processos podem ser lentos ou arbitrários, e decisões podem depender de fatores estocásticos ou do humor do editor.
4. Influência sobre revisores e o peer review
O editor seleciona revisores e pode enviesar o processo, muitas vezes favorecendo rejeições conservadoras.
Em caso de desacordo entre revisores, a decisão geralmente acompanha o parecer que rejeita o artigo.
O processo de revisão por pares é vulnerável a preconceitos ideológicos e metodológicos.
Em resumo, os “superpoderes” dos editores são uma consequência da concentração de autoridade sob a cultura “Publicar ou Perecer” (POP), permitindo-lhes moldar carreiras, direcionar a ciência e exercer subjetividade que nem sempre é transparente ou regulamentada.
Conclusão
O caso demonstra que a publicação por pares não é uma validação automática das conclusões científicas. O processo garante que o artigo tenha passado por revisão crítica e tenha relevância científica, mas não elimina controvérsias ou garante que os cálculos e interpretações estejam corretos. Editores podem aceitar trabalhos provocativos por sua relevância, estratégia editorial ou potencial de debate, sem necessariamente concordar com as conclusões.
Portanto, é crucial que leitores críticos analisem não apenas onde o artigo foi publicado, mas também o contexto, os métodos, as premissas e as conclusões, reconhecendo que a ciência é um diálogo contínuo, e não um carimbo de verdades absolutas.



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