🔬 O Processo de Revisão por Pares e Seus Vieses: Artigo Rejeitado? Não Leve Para o Lado Pessoal
- Jorge Guerra Pires
- 17 de mai.
- 4 min de leitura

Receber uma rejeição de um artigo científico pode ser devastador, especialmente para pesquisadores em início de carreira. A primeira reação é frequentemente culpar a si mesmo, sentir-se incompetente ou não bom o suficiente para a ciência. No entanto, as fontes indicam que a rejeição de um artigo nem sempre é um reflexo direto da sua incompetência ou da qualidade do seu trabalho. Na verdade, o processo de revisão por pares, embora seja a "pedra angular da ciência moderna", é um sistema complexo com falhas e desafios significativos.
O Processo de Revisão por Pares e a Cultura "Publish or Perish"
O processo funciona da seguinte forma: você submete seu artigo a um periódico científico, que o envia para um ou mais revisores ("pares") considerados especialistas na área. Com base nos relatórios dos revisores, o editor decide se o artigo é valioso para o periódico. A publicação em periódicos é crucial para o reconhecimento científico, obtenção de financiamento e avanço na carreira acadêmica. Isso criou a cultura "Publish or Perish" (Publique ou Pereça), onde é preciso publicar regularmente para se manter ativo na carreira científica. Algumas fontes vão além, mencionando a realidade "Publish And Perish" (Publique e Pereça), significando que mesmo publicando, você ainda pode "perecer", nunca podendo descansar.
Os Problemas Fundamentais do Sistema
O artigo aponta diversas questões problemáticas com o sistema atual:
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Viés: É considerado o maior perigo no processo de revisão por pares, podendo destruir a credibilidade do sistema. Existem múltiplos tipos de viés:
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Viés de confirmação, onde o sistema pode encorajar a submissão e aceitação de resultados positivos em detrimento de resultados negativos.
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Viés contra trabalhos inovadores ou de risco.
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Viés contra falhas ou resultados que mostram dúvidas.
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Viés contra falantes não nativos de inglês.
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Viés relacionado à "cultura de especialistas", que pode criar barreiras para trabalhos multidisciplinares ou voltados para o público geral.
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Rivalidade, onde pares podem usar o processo para silenciar concorrentes ou impor a citação de seus próprios trabalhos.
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Viés de gênero (efeito Matilda) em revisões cegas únicas.
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Falta de Transparência: O processo não é transparente. Relatórios de rejeição e aceitação e as discussões associadas são frequentemente perdidos. É difícil estudar o próprio sistema porque os dados não são publicamente disponíveis.
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Falta de Treinamento para Revisores: Muitos revisores não possuem treinamento formal em como revisar artigos, embora haja interesse em obter treinamento. A qualidade da revisão pode ser inconsistente.
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Custo e Ineficiência: O processo é caro em termos de tempo e financeiro (Article Publication Charges - APCs). O tempo de espera para a revisão pode ser longo, mesmo para uma eventual rejeição. Os APCs podem ser correlacionados com o prestígio do periódico, não apenas com o mérito.
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Ruído: Além do viés sistemático, o sistema também possui "ruído", que são erros não sistemáticos influenciados por fatores humanos (como humor do revisor ou interesses competitivos). Isso torna o sistema imprevisível; o mesmo artigo pode ser rejeitado em um periódico e aceito em outro sem alterações.
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Foco em Números: O sistema impulsionou uma cultura que valoriza a quantidade de publicações e autores. Isso leva a práticas como autoria fraudulenta e "citações preguiçosas" ou forçadas para aumentar as chances de aceitação.
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Distança da Sociedade e da Realidade: A busca por publicações pode fazer com que a ciência se afaste da resolução de problemas reais e da comunicação com a sociedade.
Rejeição Não Significa Incompetência
O artigo enfatiza repetidamente que a rejeição de um artigo não deve ser vista como uma falha pessoal. Dada a influência de vieses, ruído, falta de treinamento do revisor, rivalidade ou a simples aleatoriedade na seleção de revisores, a rejeição pode acontecer por diversos motivos além da qualidade do trabalho. Pesquisadores renomados, incluindo ganhadores do Prêmio Nobel, tiveram artigos rejeitados. Artigos que se tornaram importantes para a ciência moderna também foram inicialmente rejeitados.
Possíveis Caminhos para a Mudança
Embora o sistema atual seja profundamente enraizado na ciência moderna, a discussão sobre suas falhas está crescendo. O autor explora algumas alternativas:
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Preprints: São artigos disponibilizados publicamente antes ou simultaneamente à revisão por pares formal. Plataformas como ArXiv, BioRxiv e MedRxiv são exemplos. Preprints resolvem muitos problemas do sistema tradicional, como o tempo de espera e a falta de transparência. Embora ainda não sejam totalmente reconhecidos por todas as instituições, algumas agências estão começando a aceitá-los.
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Revisão por Pares Aberta: Neste modelo, as identidades dos revisores e autores (em alguns casos) e os relatórios de revisão são públicos. Isso aumenta a transparência e incentiva revisores a serem mais cuidadosos e construtivos. O autor compartilha experiências positivas com este modelo, sentindo-o mais colaborativo.
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Descentralização e Padronização: O poder da revisão por pares está concentrado em alguns periódicos de alto ranking. Descentralizar e padronizar o processo, removendo o monopólio de certos grupos, poderia ajudar.
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O Papel das Universidades: As instituições desempenham um papel crucial, pois suas métricas de avaliação de pesquisadores (promoções, financiamento) são fortemente baseadas em publicações, especialmente em periódicos de alto ranking. Mudar essas métricas é fundamental para forçar a mudança no sistema de publicação.
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Uso de Modelos de Linguagem Grandes (LLMs): Ferramentas de IA, como LLMs, estão sendo exploradas para auxiliar no processo de revisão, potencialmente ajudando a reduzir vieses ou gerando rascunhos de revisão.
Conclusão: Um Sistema Complexo e em Discussão
O processo de revisão por pares, embora essencial para a ciência, é um sistema complexo com problemas sérios como vieses, falta de transparência, ineficiência e custo. Ele molda carreiras, financiamento e até mesmo quais áreas da ciência são exploradas. A cultura de "busca por falhas" e o foco em ser "certo" podem sufocar a inovação e a comunicação aberta.
Não leve a rejeição para o lado pessoal. É crucial discutir abertamente essas questões para buscar soluções e um sistema que seja mais justo, transparente e que realmente sirva ao propósito de avançar o conhecimento e conectar a ciência à sociedade. Compartilhar experiências e criticar o sistema, como este preprint busca fazer, é um passo importante nessa direção.
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